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Mulheres negras debatem racismo e sexismo em evento no MP
As causas e os efeitos dos estereótipos impostos na vida de uma mulher negra no Brasil e uma avaliação das questões raciais e de gênero, diretamente ligadas às temáticas de violência doméstica, feminicídio e do extermínio da juventude negra, foram destaques durante as discussões realizadas na manhã de hoje (27) na abertura do “II Seminário Biopolíticas e Mulheres Negras: práticas e experiências contra o racismo e o sexismo”, promovido pelo Ministério Público estadual, por ocasião do ‘Julho das Pretas’. O evento, realizado por meio dos grupos de Atuação Especial em Defesa da Mulher e da População LGBT (Gedem) e de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (GEDHDIS), coordenados pela promotora de Justiça Lívia Sant'Anna Vaz, reuniu mulheres com atuação em diversas áreas para apresentarem trajetórias e experiências de combate à discriminação como uma forma de fomentar o empoderamento da mulher negra.
A mesa de abertura foi composta pela promotora de Justiça Márcia Teixeira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH), a promotora de Justiça Lívia Vaz e a conferencista Ana Célia da Silva, professora, doutora e uma das referências do Movimento Negro brasileiro. Ela destacou como os estereótipos impostos às mulheres negras são formas distorcidas que não correspondem a realidade, mas que norteiam o viver destas mulheres e de tantas outras minorias sociais. “A representação, imposta por um grupo de poder, quando diz, por exemplo, que cabelo liso é bom, modela negativa ou positivamente o outro. E a representação das mulheres negras, crianças, indígenas, dos pobres, não corresponde à realidade concreta”, afirmou. De acordo com ela, “86% das mulheres presas no Brasil são negras. 77% dos assassinatos no Brasil são de jovens negros; 68,8% das mulheres mortas por agressão são negras. Mulheres negras têm duas vezes mais chances de serem assassinadas do que as brancas. O salário de mulheres negras corresponde a 36,5% dos salários dos homens brancos”. Ana Célia pontuou ainda que isso mostra que o racismo no Brasil só se efetiva pelo grupo que tem poder econômico para dominar o outro. No país, quem está podendo dominar por enquanto é o branco, que detém os meios, modos de produção e economia política”. Para Márcia Teixeira, o Seminário ja é uma marca no calendário desse mês em que se celebra o 25 de Julho. "Nós do MP, enquantro promotoras de Justiça, que atuam na defesa dos Direitos Humanos, clama a sociedade baiana, sobretudo a potência das mulheres negras, para ficarem ao nosso lado nesta luta porque o MP brasileiro e todas as instituições brasileiras também estao sendo invadidas por fascistas".
De acordo com Lívia Vaz, “as mulheres negras são, na sociedade brasileira, as maiores vítimas de violência sexual, doméstica, obstétrica, de feminicídio. Além disso, todos os indicadores sociais apontam que as mulheres negras estão na base da sociedade. Temos o homem branco, em seguida a mulher branca, o homem negro e a mulher negra na base. Mesmo atuando em cargos semelhantes, as mulheres negras recebem os menores salários. Então tudo isso indica que a mulher negra tem vulnerabilidade sobreposta”. O evento seguiu durante todo o dia com a mesa “Comunicação e racismo nas redes sociais”, mediada por Lívia Vaz, que trouxe o tema “Entre a Cozinha e a sala de estar: novas arquiteturas”, apresentado pela jornalista Vânia Dias. Ao fazer uma retrospectiva de sua vida como filha de empregada doméstica, Vânia emocionou a plateia. Ela falou do perfil imposto a esta classe profissional e pontuou como elas são definidas pela condição de gênero, raça e classe. “A discussão evidencia o quanto esta categoria profissional está sujeita à situação de racismo. O fato de serem mulheres, negras, pobres, o fato de terem esta intersexionalidade de opressões, garante a elas um lugar, um fardo, um caminho que ainda não foi resultado de liberdade”.
A jornalista Rita Batista debateu como as redes sociais podem ser utilizadas como instrumento para algozes e vítimas. “As redes sócias são instrumentos indispensáveis para combater as formas de racismo. Estas ferramentas devem ser aliadas ao Direito e ao Sistema de Justiça, já que a liberdade de expressão e as práticas racistas têm uma linha tênue. Por isso, precisamos utilizá-las a nosso favor para combater todas as formas de intolerância”. Os desafios do jornalismo especializado em cidadania na era das redes sociais, apresentado pela jornalista Cleidiana Ramos, também foram destaques ao tratar dos novos modelos de jornalismo.
O evento seguiu durante todo o dia com intervenções culturais e outras mesas de debates falando sobre racismo institucional e mulheres negras no Sistema de Justiça. As discussões perpassaram pelos temas racismo institucional: estratégias de enfrentamento; feminicídio negro; o lugar do corpo negro: identidade e estética frente ao racismo institucional. A resistência negra na encruzilhada midiática também foi tema da mesa mediada pela jornalista Jamile Menezes, que desdobrou temas como ‘Contra extermínios: culturas, humanidades, representatividades e futuros possíveis’; explanado por Luma Nascimento; ‘A mulher negra no cenário musical’ com a cantora Wil Carvalho e ‘Identidade e comunicação’, debatido pela jornalista Maíra Azevedo, a Tia Má. O evento reuniu ainda procuradores e promotores de Justiça, gestores estaduais e municipais, representantes de entidade de classe, instituições sociais e órgãos públicos.
Fotos: Humberto Filho