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Curso apresenta técnicas de valorização de testemunhos de crianças vítimas de violência
O testemunho de uma criança e adolescente vítima de violência é um ponto-chave para se revelar e provar o crime e as circunstâncias em que ele aconteceu. Essa foi a perspectiva central do curso ministrado ontem, dia 29, pela psicóloga e professora Lilian Stein para promotores de Justiça, juízes e delegados de Polícia na Universidade Corporativa do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), no bairro de Monte Serrat, em Salvador.
A capacitação teve o objetivo de levar para a prática as previsões da Lei 13.431/2017, que torna obrigatória a oitiva de crianças e adolescentes por meio de escuta especializada e depoimento especial, para que sejam minimizados os danos causados a crianças e adolescentes vítimas de violência, e para que sejam valorizadas suas palavras.
Durante o evento, a palestrante desconstruiu noções do senso comum, e até mesmo de dentro do âmbito profissional do Direito e da Psicologia, sobre o funcionamento da memória e do alcance dos resultados obtidos pelos laudos psicológicos. Especializada em psicologia do testemunho e doutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade do Arizona (EUA), Stein apresentou técnicas de entrevistas que podem ser utilizadas com efetividade durante o depoimento especial.
Segundo a professora, embora o laudo psicológico seja “muito importante, ele não é decisivo” e deve complementar as informações obtidas com o depoimento da criança. A palestrante afirmou que a pesquisas realizadas por todo o mundo, nos últimos 30 anos, mostram em geral que as interpretações de desenhos infantis ou da utilização de brinquedos, relacionados à sexualidade, “não são uma prova confiável”. O mesmo se aplica aos indicadores psicológicos como, por exemplo, agressividade, isolamento social e baixa concentração. A especialista explicou que crianças e adolescentes violentados podem não apresentar tais sintomas ou desenhar ou brincar de modo estranho, e, pelo contrário, garotos e meninas não-violentados podem apresentar tais comportamentos por outros motivos.
A palestrante destacou que as técnicas e práticas de entrevista no depoimento especial se preocupam com a memória episódica (aquela dos fatos e momentos específicos), que pode ser acionada não apenas pelas respostas sobre o ver e ouvir, mas pelo que a testemunha ou vítima sentiu com o olfato, o paladar e o tato. “A memória não é uma máquina fotográfica ou câmera de vídeo. Ela é flexível”, disse. As técnicas de entrevista apresentadas priorizam formas de acessar a memória, diante dos obstáculos de acesso que podem se apresentar devido à passagem do tempo e outras variáveis relacionadas à idade da vítima, ao fato e à experiência emocional do acontecido.
Fruto de um Termo de Cooperação Técnica entre o TJBA, o Ministério Público estadual e a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA), o curso de capacitação foi aberto pela desembargadora Soraya Moradilho, coordenadora da Infância e Juventude do TJBA; e pela procuradora de Justiça Marly Barreto, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Criança e do Adolescente (Caoca) do MP. A procuradora destacou a iniciativa inédita de um curso que uniu os três órgãos para o propósito de valorizar o depoimento especial. “As crianças têm que ser resguardadas para que se possa preservar a memória até o momento do depoimento. É muito importante adotar práticas e procedimentos que valorizem a revelação espontânea, evitando reperguntas e a revitimização”, afirmou.
Fotos: Guilherme Weber / Rodtag Fotografias