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Depoimento especial aumenta responsabilização de autores de violência sexual contra crianças
Evento online do MP discute avanços e dificuldades de aplicação da lei que prevê dispositivo
A responsabilização dos autores de violência sexual contra crianças e adolescentes passou de cerca de 6% para até mais de 80% em municípios brasileiros que implantaram a escuta especializada e o depoimento especial, procedimentos previstos na lei (13.431/2017) que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Esses dispositivos foram criados para evitar a revitimização. A informação foi destacada durante encontro online promovido na tarde de hoje, dia 15, pelo Ministério Público estadual para discutir a adequação à lei dos serviços de sistema de garantia de direitos no Brasil e, especialmente, na Bahia. A gravação do encontro será disponibilizada posteriormente no site do MP.
Com a participação de mais de dois mil inscritos, o evento foi realizado em alusão ao Dia Nacional de Combate à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, em 18 de maio, por meio do Centro Operacional da Criança e do Adolescente (Caoca) e do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) do MP. Para abertura do encontro, a procuradora-geral de Justiça, Norma Angélica Cavalcanti destacou a necessidade e importância da proteção das crianças e adolescentes vítimas de violência, pois muitas “sofrem no anonimato”. Ela chamou a atenção para dados oficiais que apontam para um cenário onde 90% dos casos de violência sexual contra o público infanto-juvenil acontecem no ambiente familiar.
Os debatedores do encontro, entre painelistas e mediadores, chamaram atenção que, embora o depoimento especial e a escuta especializada já estejam sendo aplicados no País, há muitos ajustes e avanços a serem realizados. Segundo o gerente de Advocacy (espécie de colaborador para formulação de política pública) da instituição Childhood Brasil, Itamar Gonçalves, há falhas no decreto que regulamenta a lei 13.431/2017, como ausência de preparação da criança e do adolescente para o depoimento, e falta em muitos municípios de um fluxo integrado de atendimento. Além disso, é necessária a capacitação dos profissionais da rede de proteção para colocar em prática o preconizado pela norma legal e os municípios têm mostrado dificuldade de realizar essa capacitação. Foi o que destacou a chefe do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Salvador, Helena Oliveira. “Essa capacitação precisa da articulação dos municípios com o Estado, com as instituições de segurança pública e do sistema de Justiça estaduais. Os municípios sozinhos não conseguem”, afirmou.
No Brasil, segundo dados apresentados pelo juiz Arnaldo José Lemos de Souza, há atualmente 907 salas especiais para realização das oitivas, número próximo ao dos Estados Unidos, onde haveria pouco mais de mil salas. O magistrado informou que, na Bahia, o depoimento especial é realizado em Salvador, Feira de Santana e Pojuca, e há 18 salas especiais prontas e 55 comarcas com equipamentos de videoconferência. Em Vitória da Conquista, com a participação do MP, foi realizada uma parceria entre a Prefeitura e a Childhood para construção de um complexo de atendimento integrado, articulando a rede de proteção e o sistema de justiça. Conforme o promotor de Justiça Marcos Coelho, as obras estão em andamento.
O encontro contou ainda com informações sobre os reflexos psicológicos do depoimento especial como ferramenta que evita a revitimização. A psicóloga Portira Rocha, do Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual (Projeto Viver), afirmou que, segundo estudos comparativos já realizados, as crianças e adolescentes que foram ouvidas de maneira tradicional, sem passar pelo depoimento especial, mostraram-se mais ansiosas antes do relato e irritadas durante a oitiva em razão das perguntas, além de apresentarem um agravamento dos sintomas da síndrome de estresse pós-traumático, como fazer xixi na cama, não brincar com os amigos, entre outras consequências negativas. “A revitimização reaviva a memória do trauma e impossibilita que a criança dê conta dessa memória”, afirmou.
Além dos dois painéis sobre aspectos metodológicos para adequação à lei, sobre danos psicológicos causados pela revitimização que o depoimento especial ameniza, foi debatido ainda, em um terceiro painel, o planejamento dos Estados e Municípios para implementação da lei. Participaram do encontro os promotores de Justiça Márcia Rabelo, coordenadora do Caoca; André Lavigne, coordenador de Centro de Apoio Operacional Criminal (Caocrim) e Carlos Martheo, que apresentaram, respectivamente, os três painéis; a presidente da Sociedade Baiana de Pediatria (Sobape), Dolores Fernandez; a assessora de Relações Institucionais e Governamentais da Fundação Abrinq, Marta Volpi; a gerente de implementação de projetos da Plan International Brasil, Sara Oliveira; e a secretária municipal de Salvador de Política para Mulheres, Infância e Juventude, Rogéria Santos.
Fotos: Humberto Filho / Cecom-Imprensa